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Sobre não conhecer a letra das pessoas

Texto de: Débora Figueiredo.


Lembro de um tempo em que, vez por outra, bem na hora da aula, trocava bilhetinhos com os amigos, ora carinhosos, ora dramáticos, ora responsáveis: "Ei, pra quando é aquela tarefa de português?". Nesse mesmo tempo, brinquei de agenda compartilhada, onde eu e outra amiga revezávamos e escrevíamos sobre nossos dramas e alegrias. Escrevi cartinhas e mais cartinhas e no aniversário dos colegas, escrevi recadinhos carinhosos. Ganhei cartinhas, bilhetes e o mais antigo deles data de quando eu tinha uns 8 anos de idade e está guardado num baú pequenininho.


Uso pouco as Redes Sociais para os padrões. Tenho aquele aplicativo verdinho de mensagens instantâneas e o azulzinho polêmico, que só uso praticamente em função das minhas pesquisas sobre infância e as novas tecnologias. É lá que eu administro também a página do MTmaisjanelas. Mas hoje uma coisa legal me chamou atenção. Minha página preferida colocou uma imagem falando sobre a "letra das pessoas". Descobri que faz mais ou menos uma semana que está rolando essa brincadeira na rede. É assim: a gente escreve num papel "Uma coisa que a gente não conhece mais é a letra das pessoas. Esta é a minha", tira uma foto e publica com a hashtag #aletradaspessoas.


Gostei da brincadeira porque tem tudo a ver com o blog. Afinal, a gente não conhece mais a letra das pessoas por quê? Essa é fácil. Todo mundo sabe responder. A gente está cada vez mais conectado. Os trabalhos escolares são digitados, superando aquela fase das folhas de almaço e desenhos coloridos na capa. Fazemos tudo com uma telinha na frente. Os diários viraram blogs; os álbuns de fotos viraram redes sociais próprias para publicar nossas fotos; os recadinhos são online também; cartinhas a gente manda, no máximo, por e-mail. Sem contar as escolas que mundo afora, ou mesmo por aqui, começam a substituir papel por tablet.


As crianças estão cada vez mais familiarizadas com as telinhas. Papel não brilha. Papel não reage ao toque, não se mexe, não toca musiquinha. Papel exige muito de nós. Papel exige criatividade pra fazer desenhos de imagens que surgem de dentro da nossa cachola. Papel exige coordenação motora pra fazer uma letra bonita que dá orgulho para as nossas professoras e mães e uma certa invejinha saudável nos colegas. Eu sentia invejinha das minhas amigas. Não que eu quisesse que a delas se tornasse feia, mas eu queria que a minha fosse linda de viver também. Fui melhorar um pouquinho depois de grande.


Cada vez mais as pessoas lidam melhor com a ideia de estar online o tempo todo. No lazer ou no trabalho, as telinhas estão lá. Não conhecemos mais as letras das pessoas, essa forma de expressão tão própria de cada um de nós. A letra é aquela padrão da Rede Social ou aquela das normas da ABNT. Não conhecemos mais as capacidades incríveis de uns ou outros colegas de jogar damas, xadrez, brincar de carimba (queimada), sete pecados, amarelinha, corda e elástico. Jogos online, entretanto, conhecemos bem. Não olhamos mais os álbuns de fotos da família dos nossos amigos. Quem precisa revelar fotos quando elas já são reveladas, armazenadas ou substituídas quase no mesmo instante em que são batidas? A gente chega na casa de alguém e não é um copinho d’água ou um cafezinho que nos é oferecido, mas a senha do wifi.


Nossas vidas têm sido cada vez mais mediada por telas. Ah, janelas... se olhamos pra elas, enxergamos tudo que é bagatela. Muros, paredes pintadas de cinza, tristeza e tinta fresca. Tenho sorte. Minha vista é linda e, sempre que posso, desconecto pra olhar as árvores, os passarinhos, os prédios e igrejas distantes do centro da cidade. E decidi! Quando um dia for morar num cantinho só meu, quero que pelo menos uma janela dê acesso a uma vista que me liberte dessa angústia que é viver entre muros, grades e telas.


PS.: É estranho pensar que com 25 anos, já me sinto parte da velha guarda.

Bom saber (:
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