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Sociedade da degeneração: um pouco sobre a infância enquanto mercadoria

  • mtmaisjanelas
  • 4 de fev. de 2015
  • 6 min de leitura

Por Débora Figueiredo

Em 04 de fevereiro de 2015


Quando pensamos no que define nossa sociedade, lembramos de expressões como Sociedade do Espetáculo, Sociedade de Consumo e Sociedade da Informação. Poderíamos até ressignificar essas expressões, criar novas. Por exemplo: Por que não Sociedade do Supérfluo? Ou, quem sabe, Sociedade da Degeneração. Sei que soa um tanto dramático e apocalíptico, mas quando penso na quantidade de valores duvidosos exaltados pela indústria e pela publicidade há tantas décadas, sinto dificuldade em manter algum otimismo.


Minha maior preocupação, confesso, está na infância. Quando eu era criança, vez por outra ouvia algo do tipo: "O futuro está nas crianças". Aliás, se não me falha a memória, a música que cantamos na festa de fim de ano da minha 4ª série falava que nós éramos o futuro desse país. Pensava um pouco sobre aquilo. Quanta responsabilidade! Depois voltava a brincar. Hoje, depois de algumas leituras, descubro que a infância é construída socialmente. O que significa que nem sempre foi dada à infância a importância que nós damos hoje. Acreditamos, realmente, que o futuro está nas crianças. Temos a esperança de que elas cresçam sabendo jogar o lixo no lixo, dizer as palavrinhas mágicas e respeitar as pessoas tanto quanto a si mesmas. No mínimo.


O futuro de vinte anos atrás é hoje. Somos as crianças de ontem e já temos idade de ter nossos próprio filhos e continuamos esperando que eles façam (e sejam) o futuro. Um futuro melhor do que o futuro que construímos até agora. Gostaríamos de crer que enquanto pais, enquanto educadores, enquanto adultos, somos fortes o suficiente para ir contra tudo o que nos põe para trás. E muita coisa nos põe para trás.


Na nossa sociedade quem dita as regras é a indústria e a indústria não está interessada em fomentar um pensamento crítico e filosófico. Ela não te instiga a perguntar: O que é um corpo ideal? Ela te diz qual é o corpo ideal e o que você tem que fazer para consegui-lo além de, claro, dizer o que você deve consumir para consegui-lo. A indústria dita como você deve se comportar e quem você deve ser. O cérebro da indústria é o marketing e sua voz é a publicidade. Por fim, o corpo desse bicho de sete cabeças são os veículos midiáticos.


Além disso, numa Sociedade de Consumo, tudo é transformado em mercadoria. Consumimos não apenas coisas, mas arte, imagens dinâmicas, imagens estáticas, lugares, pessoas. Pode parecer estranho, mas é o que acontece, por exemplo, quando colocamos nossas fotos e esperamos cliques. Oferecemos uma mercadoria, nossa própria imagem, e esperamos que ela seja observada, avaliada e aprovada. Isso fica ainda mais claro quando pagamos para ver imagens ou quando lemos: “Jennifer Lawrence é a atriz mais rentável de 2014”. Poderíamos dizer que uma rede social como o Instagram, por exemplo, é uma espécie de vitrine onde as pessoas podem expor a si mesmas, objetos pessoais ou performances.


Ressaltamos que o termo ‘Sociedade de Consumo’ (Baudrillard, 2008) não significa o estabelecimento de um mundo de abundância, mas um mundo em que o consumo se estabelece como fonte de referência identitária, mesmo aqueles que não podem comprar, na medida em que também consumimos imagens, lugares, tempos, pessoas e estilos de vida que por sua vez, significam e prescrevem determinados ideais, modos de ser, estar, amar e sentir. (SEVERIANO)



Imagem retirada do aplicativo Wish

Passamos cada vez mais tempo expostos aos veículos midiáticos e cada vez mais cedo expomos nossas crianças a eles. O que significa que cada vez mais cedo elas terão contato com mensagens dizendo como elas devem ser e se comportar e o que elas devem ter. Afinal, a infância em si também tornou-se uma mercadoria. Bem rentável, por sinal. Para cada faixa etária, para cada sexo, para cada gosto, um produto é lançado numa velocidade nauseante. O problema é que os pequenos não captam apenas as mensagens direcionadas a eles, que muitas vezes já são prejudiciais o bastante. Eles captam também as mensagens direcionadas aos adultos direta ou indiretamente.


O que faz uma criança de quatro anos ter como brincadeira preferida se maquiar? Curiosamente a mãe tem todos os produtos ideais para a maquiagem perfeita e adora assistir a concursos de beleza... inclusive os infantis. O que faz uma garota de menos de dez anos de idade se interessar pelo “corpo perfeito”, trabalhado em academias de musculação? Quem sabe o pai é personal trainer e acessa constantemente redes sociais de pessoas determinadas a alcançar a forma física ideal, seja ela qual for. O que faz uma criança sonhar em ser famosa pela sua beleza e não professora ou veterinária? O que faz uma criança preferir estar com um tablet na mão do que brincar de pega-pega, esconde-esconde e cobra-cega?

Retirado de https://www.facebook.com/tirasarmandinho

Esses pequenos, vistos de longe, parecem mais é um bocado de adultos. Mesmo assim, alguma coisa me diz que há, dentro deles, uma vontade adormecida de conhecer o mundo ao redor deles, de correr, de se cansar, de interagir com os amigos através de brincadeiras, de conhecer histórias de seres incríveis, de criar as próprias histórias, de criar os próprios mundos mágicos. Antes tudo isso era natural, lembram? Afinal, para onde estamos indo? E para onde estamos levando nossas crianças? É importante pensarmos sobre quais serão as consequências para o futuro dos pequenos diante dessa exposição excessiva a todo e qualquer tipo de mídia. Será, afinal, que os ganhos são maiores que as perdas?


Referências


SEVERIANO, M. F. V. A juventude em tempos acelerados: reflexões sobre o consumo, indústria cultura e tecnologias informacionais. Política & Trabalho (Online), v. 1, p. 271-286, 2013.


Obs.1: A iniciativa de transformar essas reflexões em texto surgiu a partir da observação do fenômeno de pais que criam perfis em redes sociais para suas crianças ou mesmo que autorizam os filhos a criar mesmo que não seja recomendado pelo próprio site. Alguns desses perfis mostram fotos das crianças maquiadas, com roupas e poses sensuais, ostentando objetos pessoais de alto valor ou mesmo fazendo/simulando atividades que não são recomendadas para crianças.


Obs.2: No livro Homens, mulheres e filhos, o autor, que nos mostra uma espécie de retrato da nossa sociedade em forma de romance, apresenta uma personagem que faz um site para a filha, que sonha em ser atriz. Deixo o trecho do livro aqui para quem se interessar.


HOMENS, MULHERES & FILHOS

Chad Kultgen

Editora Record

01-Homens mulheres e filhos.png

Página 34.


- Comprei uma lingerie nova para você. Recebemos o pedido de um assinante, então precisamos fazer uma sessão rápida de fotos hoje à noite.


Ainda muito nova, Hannah disse à mãe e à avó que ela também se interessava bastante pela carreira de atriz. Nicole, tendo mais experiência com o que a busca de um objetivo tão estatisticamente improvável podia fazer psicológica e emocionalmente com uma pessoa, aconselhou Dawn a encorajar o interesse de Hannah em outras áreas. Mas Dawn, tendo chegado tão perto de alcançar algum sucesso nesse métier sem ter recebido uma chance justa, viu em sua filha uma nova oportunidade.


(...)


Foi nesse desejo ardente de ajudar a filha que fez Dawn ter a ideia de criar um site para Hannah. No começo, não era diferente de nenhum outro aspirante de ator. Listava informações de contato, mostrava fotos, um currículo e alguns videoclipes de várias produções das quais Hannah havia participado. Foi apenas no verão antes do oitavo ano, quando os seios de Hannah começaram a crescer, que Dawn teve a ideia de postar fotos da filha em traje de banho, na expectativa de que pudesse conseguir trabalho em anúncios de revista de moda para o verão.


Algumas semanas após publicar as primeiras duas fotos de Hannah de maiô vermelho, o site recebeu um primeiro email perguntando se poderiam ser postadas mais algumas imagens de Hannah, só que dessa vez de biquíni. O e-mail ainda pedia que as fotos de Hannah fossem tiradas com ela deitada ou com o tronco curvado para frente.


Curiosa, e também entusiasmada pelo site ter gerado interesse em Hannah, Dawn respondeu ao e-mail perguntando ao remetente se ele era um agente ou empresário interessado em representar a filha ou um fotógrafo procurando modelos. O remetente respondeu que não era nem agente nem empresário nem fotógrafo, apenas um fã autoproclamado de Hannah. Dawn então se deu conta de que era provável que a pessoa que mandava os e-mails tivesse um interesse sexual por sua filha. Mas a pessoa ainda não pedira nada ilegal. Dawn se convenceu de que postar mais fotos de Hannah em diferentes trajes de banho não seria uma coisa ruim se gerasse mais interesse, não importando de quem viesse. (...)


Apesar de totalmente consciente do fato de que o que ela estava prestes a fazer era, no mínimo, exploração e talvez beirasse o ilegal no que dizia respeito ao tratamento dado à própria filha, Dawn criou uma conta no PayPal e contratou um web designer para criar uma seção apenas para assinantes do site. Conversou com Hannah para saber se ela não teria problemas em usar roupas mais reveladoras nessa seção do site. Hannah explicou que tinha orgulho de seu corpo e entendia que, se fosse para ser descoberta por um diretor como Darren Aronofsky ou Paul Thomas Anderson e eles quisessem que ela participasse de uma cena de nudez, não hesitaria em fazer a vontade deles. Isso, pensou, era só um treinamento para qualquer papel num longa-metragem que pudesse surgir para ela no futuro.


(...) Hannah se sentia famosa toda vez que a mãe recebia um e-mail pedindo uma nova pose ou uma nova roupa, ou apenas perguntando como ela estava e qual era sua cor preferida.

 
 
 

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