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Reflexões sobre a influência de uma mídia não democrática em adultos e crianças.

Por Débora Figueiredo

Em 24 de dezembro de 2014


Em dezembro de 2010, há exatos quatro anos, assisti a um vídeo que me ajudou a refletir sobre a seguinte questão: até que ponto somos influenciados pela mídia? O vídeo tem cerca de 17 minutos e chama-se Intervozes – Levante sua voz. Mal sabia eu que quatro anos depois essa questão ainda estaria martelando na minha cabeça. Dar aula de Filosofia no Ensino Médio apenas me ajudou a pensar mais sobre o assunto.


Nossos pais, bem como instituições religiosas e a própria sociedade como um todo são os principais responsáveis pela transmissão de valores, sobretudo morais, a uma criança. Aprendemos desde cedo o que é certo e errado, bom e mau, justo e injusto. Bom, pelo menos deveríamos aprender com base em princípios éticos como o respeito ao outro. Acontece que nem sempre é assim.


Acontece que vivemos em uma sociedade que exige de nós o consumo a todo instante. Consumo de coisas, alimentos, imagens, lugares, pessoas. Mas, para que o consumo seja possível, devemos trabalhar. Trabalhar muito! Pais sacrificam momentos com o filho para trabalhar e garantir os brinquedos e o conforto que o pequeno viu no comercial da TV enquanto eles estavam trabalhando. É irônico.


Claro que para uns, o excesso de trabalho significa mais conforto e, infelizmente, menos contato com os filhos; para outros significa uma necessidade para que possam sobreviver com o mínimo de dignidade. Das duas maneiras, a transmissão de valores é prejudicada. Não podemos julgar os pais, mas a situação em que foram colocados. Até porque há pais que nem mesmo tiveram a chance de receber valores dos próprios pais e, por isso, sentem alguma (ou total) dificuldade em transmitir esses valores. Há, enfim, várias variáveis. Várias situações delicadas em que o papel dos pais acaba sendo, infelizmente, prejudicado ou, na pior das hipóteses, substituído. Mas, prejudicado por quem? O que acaba substituindo o papel dos pais?

Tirinha retirada do livro Armandinho Três, de Alexandre Beck

Quem, afinal, tem contato constante com os filhos, enquanto os pais precisam trabalhar? A mídia. Nossa mídia, que, como podemos concluir depois de assistirmos ao vídeo do Intervozes, não é nada democrática (bem como não é a dos canais vendidos na TV a cabo). Uma mídia que serve aos interesses comerciais de grupos minoritários, porém dominantes. Além disso, a internet, que poderia ser uma alternativa a emissoras de TV, não é recomendada para crianças devido à vulnerabilidade a qual os pequenos estão sujeitos.


“Será mesmo que nossos valores utilitários, estéticos e morais podem ser influenciados pela mídia? Ou melhor, será que aquilo que consideramos útil, inútil, belo, feio, bom ou mau pode sofrer influência da mídia?” perguntava aos tímidos garotos e garotas em sala de aula. Depois de alguns segundos, normalmente a resposta era “sim”. Sim, nossos valores podem ser modificados a partir do nosso contato com a mídia, concluíamos juntos. A ideia geral de beleza aceita pela sociedade, por exemplo, está intimamente ligada ao que é mostrado todos os dias tanto nas telinhas portáteis quanto nas telonas e TVs. Outro exemplo: “Consumir coisas é útil, mas passar horas lendo sobre filosofia ou observando a paisagem é inútil”. Já ouvi isso algumas vezes e coincidentemente as mesmas telinhas nos oferecem coisas a serem consumidas a cada instante.



No segundo ano em sala de aula, decidi ir mais além. Depois de estudarmos sobre os valores e a moral, passaríamos para os frankfurtianos e estudaríamos sobre Indústria Cultural, um conceito desenvolvido pelos simpáticos (talvez nem tanto) alemães Theodor Adorno (Teddy para os íntimos) e Max Horkheimer. Foi incrível! Acontece que, para me aproximar do mundo daquelas criaturinhas, tive que buscar elementos próximos da realidade deles. Tive que contar segredos aterrorizantes como, por exemplo, que a Disney é uma marca. Isso, uma marca. E como toda marca vinculada a uma empresa, o intuito maior dela é fazer essa empresa lucrar cada vez mais, apenas. Ok, talvez existam exceções de empresas realmente sustentáveis e justas, mas essas infelizmente não são a regra.


- Mas, mas, mas... professora! Eles têm a missão de passar bons valores para as crianças.


- E será mesmo que eles passam?

Imagem retirada da web

“Calma, pessoal. Não é preciso que vocês joguem fora todos os objetos que vocês compraram nas férias passadas do Mundo Mágico, mas é preciso que vocês entendam como as coisas funcionam”, eu dizia. E continuava a aula entre conceitos, reflexões e vivências minhas e deles.


Foi nessa época que descobri os documentários “Criança, a alma do negócio” e “A comercialização da infância” (estadunidense). Tirei uma tarde para passar os dois documentários. Para o meu desespero, a maioria ficou empolgada quando os brinquedos deles originais e comprados na Disney (como a varinha mágica de Harry Potter) passaram no documentário, ignorando quase que completamente a mensagem que os documentários queriam passar. Até que uma alma me chamou num cantinho e perguntou: “será que só eu estou me sentindo mal assistindo a isso tudo?”. Temi que sim, mas depois descobri que não.


Uma das meninas que assistiu aos documentários veio conversar comigo tempos depois. Ela disse que ficou muito impressionada e foi perguntar para a mãe dela como ela era quando criança. Ela não imaginava que a resposta seria: “Você queria tudo! E eu trabalhava dia e noite para dar o que você queria”. Ela me contou de um jeito de cortar o coração. Tudo que ela queria, na realidade, era a presença dos pais que até hoje vivem para o trabalho.


Foi nessa época que comecei a me interessar mais especificamente pela influência da mídia na infância. Se nós, adultos, podemos ser influenciados de forma negativa pela mídia, o que podemos esperar das crianças? Somos diariamente bombardeados com publicidade, conteúdo carregado de banalidade e conotação sexual. Nossos gostos e vontades são fabricados em massa e nós naturalizamos isso de tal forma que mal paramos para pensar que nem sempre foi assim e não precisa continuar sendo. Vemos seres em formação, que ainda estão se descobrindo no mundo, tão cedo aprendendo a:


- valorizar marcas (de desenhos, filmes e roupas) mais do que vivências,

- querer coisas mais do que usar a imaginação,

- maquiar o rosto mais do que sujar a mão.


Por um mundo com menos telas e mais janelas. Também publicado em: Rebrinc



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